sexta-feira, 20 de maio de 2011

UMA BALADA PARA A MORTE...



O dia da morte de Willian-Adolphe Bouguereau (1810), óleo sobre tela; 153 X 119 cm. Sãp Petesburgo.


UM IMPROVISO HERÁLDICO
ANTE AS SOBRAS DO BANQUETE ILÚDICO
( em ocasião do 60º aniversário do poeta Antônio Brasileiro )



`a Fabiane Santana, aluna estimada e meiga lembrança de Aracy.


Talvez em outras paragens
do viver
se possa extirpar as feras.
E morrer.
ANTÔNIO BRASILEIRO






( Suavemente,
a noite nos envolve indecifrável...
fugindo de sua obrigação de negar-nos
a grande sombra desce,
mas todos se amontoam no
silêncio e no medo
de sermos tantos.

Amontoamo-nos
no indecifrável espaço do torpor
e parecemos um só homem espalhado pela escuridão imensa...
nessa sombra que somos
nos perdemos...
porém,
sobra nas retinas o que fomos
e presa à garganta
tudo
o que queríamos.

A noite...
sim, a noite...
a noite nos embrulhou com ódio,
e toda a noite enraivecida é a grande
verdade
que buscávamos,
uma deslavada verdade
que todos contam entre nós:
era dos nossos sonhos que ela vinha;
de nossa realidade ela se criava;
amadureceu em nosso egoísmo;
modificou-se por nossa angústia;
em nós...
em todos nós
espatifou-se,
neste momento que ainda corre:

e todos somos um
nesses pedaços de tantas coisas
únicas;
tantas vontades
a serem sempre as mesmas;
tantas fomes iguais
de tudo.

Esta noite nos uniu em nada...,
mastigou
o humano
que tínhamos engolido,
despojou-nos
neste leito de escuridão em que deitamos;
enraizou-nos
neste princípio de coisa alguma
impedido-nos
a aurora.






2.a

A noite está
inquieta
como um homem morto –
toda a noite
é um tumulto –
é toda um coração que bate e vai morrer e o sabe...

A noite
sorveu a paciência
destes banquetes; deu ao tempo
propósitos que não tinha;
a noite
deu propósitos a tudo:
à nossa morte,
ao nosso odor de morte,
à nossa inquietude de estar dentro
da
morte,
ao nosso esquecimento
de sermos
morte...

a noite
humanizou a terra superior dos cemitérios;
tornou fundamental
a nossa poesia dispersa;
apagou-nos
da manhã
que não
viria.





2.b

A noite
deu-nos um mistério em nosso nascimento;
e nenhum dia será mais claro do que esta noite
e os dias que virão de dentro dela.

A noite assombrosa de nosso desejo
é toda uma mística certeza que nunca tivemos.

– Existimos
dentro desta noite como
nunca existimos
antes. )






3

UM APÓLOGO
:



“ Ó amigos, ó coisas inexatas...
filhos das feras que moravam em nós:
esta noite tudo ficará retido sob o chão
destas mentiras tão puras;
a manhã se foi sem ternura
e sem a simplicidade
que os amanheceres
nos trazem.

Ó irmãos,
crianças maliciosas que fomos,
a manhã se foi escura
porque nunca verdadeiramente nos houve
uma manhã mais clara.


A perfeição,
irmãos,
reside nesta escuridão que este não-dia nos trouxe.
Nada vimos,
porque nada queríamos ver.
Nada evocamos,
pois sempre fomos esta mesma ausência.
Nada construímos sobre esta imensa mão ruidosa,
porque toda a nossa poesia foi um truque.
E nenhuma lágrima rolará,
pois nunca existiu em nós a alegria
para que, então, experimentemos a tristeza
de sermos tantos e tão sozinhos.

Nada, amigos...
nada...
nada será,
porque nada foi.


Tudo
apenas é:
e tudo é noite...
tudo é simples,
vasta e absoluta noite.

Somente
noite.”



quinta-feira, 12 de maio de 2011

GABRIEL FERREIRA EM "BRINQUEDO DOS ANGOLAS E ORIXÁS": ALOISIO RESENDE E BEL PIRES... ÚLTIMOS DIAS


Jogo dos Angolas, de Gabriel Ferreira, Técnica Mista (60X80) cm, 2011.






Como disse, aqui mesmo (e não faz muito tempo), na poesia de Aloísio Resende, os elementos oriundos das religiões africanas parecem, à atordoada crítica literária predominante no Brasil, muito mais importantes do que os próprios poemas que os utilizam para fins que vão muito além do que eles representam.






O mesmo erro que cometam há anos com o Augusto dos Anjos ao rotulá-lo de “poeta cientificista” quando este dito “cientificismo” é só mais um caminho para algo que vai muito além. O mesmo acontece com os elementos “afrodescendentes”, na poesia de Aloísio Resende: não passam de tijolos de uma construção maior e que vai muito além da mera referência étnica. E digo mais: o erotismo apresentado em praticamente todo a sua obra poética é muito mais intenso e centralizado e é um elemento primordial de seus poemas para o qual a sua dita africanidade trabalha intensamente.






Mesmo o resultado mais belo produzindo é estruturado através de formas muitas vezes rudes e extremamente ortodoxas. Mas é o resultado que importa aos olhos leigos e preparados, já ao seu criador, o conhecimento das formas que moldam este resultado são, praticamente, tudo para ele...






Com Gabriel Ferreira isso não me parece diferente. Por isso mesmo, é uma necessidade vital, caro leitor, conferir a sua exposição, intitulada BRINQUEDO DOS ANGOLAS E ORIXÁS: ALOISIO RESENDE E BEL PIRES... de 19 de abril a 15 de maio, na Galeria de Arte Carlo Barbosa, situada no Centro Universitário de Cultura e Arte, de Feira de Santana, rua Conselheiro Franco, 66, Centro. Todas as obras estão à venda através do contacto: http://artistagabrielferreira.blogspot.com/






Como a de todo grande artista, na obra de Gabriel Ferreira elementos diversos se agrupam em diferentes aspectos para construir ir algo realmente belo, único, repleto de cor, verdade e significado, indo muito além daquilo que lhe serviu de mote, no caso, a poesia de Aloísio Resende, para que a vida seja mais...






É para isso que a Arte serve.









I
NAS RODAS DA MACUMBA, ATÉ AGORA ESTÁ SÓ,



CRIOULO BOM NO TOCAR, CRIOULO BOM NO CANTAR.



CORAÇÃO DE MULHER TU SABES AMARRAR,



CRIOULO DE FATO E LEI, NOS MISTÉRIOS DO EBÓ.





(PEGI-GAN – ALOISIO RESENDE)
TÉCNICA MISTA/TELA (50X50) cm, 2011.







II
VISTOSA SE LHE ENFUNA A AMPLA SAIA DE CHITA
NOS QUEBROS DA CORÉIA. E O SEU BALANGANDÃ



DE ZAZI E DE OMOLU, DE OXÓSSI E DE NANAN,



DE UMA DEUSA NAGÔ DEU-LHE A FORMA ESQUISITA.



(CAMDOMBE – ALOISIO RESENDE)
TÉCNICA MISTA/TELA (50X50) cm, 2011.







III
VIVENDO DENTRO DE SI, DE MODOS QUASE ESQUIVOS,



SE VAI AO PAGODÔ, NAS NOITADAS DE FESTA,



A CURVATURA PEDE E DANÇA ERGUIDA E LESTA,



A VELHA ORIGINAL DE OLHOS PEQUENOS VIVOS.



(MÃE-FILHA – ALOISIO RESENDE)



TÉCNICA MISTA/TELA (50X50) cm, 2011.








IV
NEGRAS, PESADAS MÃOS, BATEM COM FORÇA



OS RIJOS COIROS PARA QUE SE EXPANDA



UMA PRETA QUE CAI NA SARABANDA



E O CORPO, EM ROSCAS, RÁPIDA, CONTORÇA.



(TERREIRO – ALOISIO RESENDE)
TÉCNICA MISTA/TELA (50X50) cm, 2011.







V
FALA DE SI COM GARBO E COM CERTO ENTUSIASMO



DESCREVE FATOS TAIS QUE O PRÓPRIO CÉU DUVIDA,



FATOS QUE DE SE OUVIR ATÉ SE FICA PASMO,



QUE A GLÓRIA SÃO, TALVEZ, MAIOR DE SUA VIDA.





(MANOEL DE XANGÔ – ALOISIO RESENDE)
TÉCNICA MISTA/TELA (50X50) cm, 2011.








VI
E O SOM DOS ATABAQUES, NADA PARCOS.



DENTRO DA NOITE, RÍSPIDO, RETUMBA.



É A DECANTADA, A CÉLEBRE MACUMBA,



NOS PORÕES VINDA DOS NEGREIROS BARCOS.



(TERREIRO – ALOISIO RESENDE)
TÉCNICA MISTA/TELA (50X50) cm, 2011.






VII
E A TENTAR, CADA QUAL, MAIS BONITA E LOUÇÃ,



VAI SEGUINDO DENGOSA EM DEMANDA DA FONTE,



DE BAILADOS ENCHENDO A PLÁCIDA MANHÃ,



POIS NÃO TARDA QUE O SOL, ENTRE OS CERROS, DESPONTE.



(MAIANGA – ALOISIO RESENDE)
TÉCNICA MISTA/TELA (50X50) cm, 2011.









VIII
ANIMADO, COMEÇA, ENFIM, O SAMBA



À VOLTA, TODA ALI, DA TAL FOGUEIRA.



E A MACUMBA SE FORMA, ENTÃO, LIGEIRA,



QUE A NOITE VELHA, AO LONGE, JÁ DESCAMBA.




(NO BAMBÉ – ALOISIO RESENDE)
TÉCNICA MISTA/TELA (50X50) cm, 2011.






IX
VAI DANÇAR IEMANJÁ, PROTETORA BONITA



DESTE RICO RINCÃO DE TERRA BRASILEIRA.



NO CENTRO DO TERREIRO, ONDE O SAMBA SE AGITA,



EM NEGRAS ONDAS SOLTA A BASTA CABELEIRA.



(IEMANJÁ – ALOISIO RESENDE)
TÉCNICA MISTA/TELA (50X50) cm, 2011.










X
QUANDO NA INTIMIDADE, ALI, NO SEU TERREIRO,




DEIXA COMO DE PARTE OS RECATOS E AS MANHAS




DEIXA, PARA SE VER O OUSADO MACUMBEIRO,




COM TREJEITOS EXPONDO AS MÚLTIPLAS FAÇANHAS.




(MANOEL DE XANGÔ – ALOISIO RESENDE)
TÉCNICA MISTA/TELA (50X50) cm, 2011.




quarta-feira, 11 de maio de 2011

UMA CRÔNICA ANTECIPADA...



Silvério Duque, autor de O crânio dos Peixes, ( Ed MAC, 2002 ), Baladas e outros aportes de viagem, ( Edições Pirapuama, 2006 ) e A Pele de Esaú ( Via Litterarum, 2010 ). Meu próximo livro, Ciranda de Sombras, está no prelo.








para Hilton Valeriano & Hermógenes de Castro e Mello










Hilton Valeriano, querido amigo e poeta, um destes poucos homens que têm um compromisso realmente sério com a arte e com a cultura, pergunta-me, como começou o meu contacto com a poesia. Isso me remete a pensamentos tão complexos, e, por vezes, não muito agradáveis, e à lembranças muito queridas de tão distantes.





Eu comecei, muito cedo, a ler poesia; escrever, no entanto, foi algo que veio depois, bem depois e eu, sinceramente, não conseguiria dizer, com certeza, quando ou como foi verdadeiramente. Sei que apareceu, sei que Fernando Pessoa, Drummmond, Camões, Shakespeare, Dante, e, logo depois, Eurico Alves Boaventura, Manuel Bandeira, João Cabral, Rilke, Tolentino, começaram a fazer parte de minha vida... mas, hoje, prefiro acreditar, o me limitar a responder, na seguinte idéia: Poeta nascitur, orator fit, como diria Sêneca.





Já a criação poética, pelo menos para mim, vence alguns estereótipos, desde que me entendo como poeta, a idéia me vem. Aí, eu a capturo, “deixo rolar”, como dizem os mais jovens. Depois, ponho “no complicador”, como diria o João Cabral. Tenho poemas feitos de uma só vez, cujos retoques foram mínimos e outros que levaram horas, dias, meses e até anos. Em meu próximo livro, Ciranda de Sombras, a sair pela É Realizações, há um poema que construir ao longo de oito anos... O que posso fazer; retoco aqui, refaço ali, reproduzo e experimento várias combinações sonoras. Sou músico, componho um poema como quem combina notas, melodias, harmonias, timbres... Este é o caminho de quem quer algo bem feito, é o caminho percorrido pelos grandes, é o caminho que quero e devo seguir. É assim que sei fazer as coisa e, sinceramente, quem faz o contrário é um idiota preso em sua própria vaidade de inepto, é o que penso, porque a poesia é uma coisa séria, muito séria. A poesia é uma afirmação diante da vida e de suas limitações. A poesia é uma das poucas coisas que eu sei valer, verdadeiramente, alguma coisa. Com ela, a vida é maior e já a não sei olhar (ou para mim mesmo) sem olhar para ela, pois nos tornarmos uma coisa só, o mesmo propósito, a mesma vontade de completude. Ela me dá a certeza de que é possível criar, realizar... E realizar é afirmar a vida, vencer a morte; como eu mesmo escrevi, para um amigo poeta que morria de câncer:







É preciso criar para sentir;
nada somos se nada construímos,
pois se nada inventamos, nada existe...
Somos a nossa ação por sobre o tempo.

No dia em que tecemos tudo vive,
realizar é escapar da morte... mas,
não durarei apenas entre os outros,
pois dou aos versos usos e clarezas.

De tanta falta e busca me revejo,
de tanto amor e anseio, me reinvento,
nessas rotas e fugas me refaço.

Necessário é criar e a vida é pouca,
no dia em que eu me faço estou e existo.
Neste poema há todos os meus passos.







A poesia, ao contrário do que pensam muitos, representa muito para o nosso Brasil. A poesia, em nosso País, sempre foi algo muito forte, ligada demasiadamente à construção de nossa nação, à nossa idéia de brasileiros, à identidade brasileira. O problema é que, de uns tempos para cá, alguns critérios muito básicos vêm mudando radical e erroneamente. Exceto por uma duas dúzias de esmerados perdidos por nosso vasto território, a cultura, que, no Brasil, um dia, se chamou de erudita, é quase uma alucinação. Daí, um dos grandes problemas de nossa atual sociedade: desaprender o sentido, tanto teórico quanto prático, da palavra “critério”, ou mesmo “juízo” e “discernimento”. E a poesia, principalmente a contemporânea, acabou sofrendo muito com isso, também. Assim, me pergunto ou se me perguntam se a nossa poesia vai bem, é claro que vai, sempre foi maravilhosa.





A questão é que a poesia, mesmo se apresentando como uma forma de arte menos comercial e, muitas vezes, “sisuda”, não se livrou deste problema que no Brasil é grave, crônico e contagioso, por isso é preciso, infelizmente, dividir a poesia em dois extremos bem distintos: de um lado, aquela que ocupa a maioria das revistas, jornais e programas ditos especializados que, em sua maioria serve apenas para maquiar a total ignorância e a falta de apreciação mais acurada, aliada às trocas de favores, ao cooperativismo porco, à industria da promoção, dos diplomas, das orelhinhas de livros; do outro, aquela poesia distante da grande maioria destes veículos, feitas por pessoas que sabem que a poesia é a mais perfeita das redações, que ela não se nivela por baixo e que deveria constar nos livros de literatura e em todo material didático que chega às mãos de nossos alunos, porém, o que acontece é que aquilo que há de pior, ou, no melhor dos casos, de mais simples, óbvio e, digamos, de fácil digestão, à maneira da axé music e do hip hop, é o que se acaba estudando e aprendendo como a única poesia existente no Brasil, e isso é uma inverdade cruel e sínica, mas, ouçam o que te digo, a história, no fim, excluirá os covardes, os apedeutas, os sem talento, os sem critério, os sem noção...





Mas, ainda contamos com grandes nomes, como Bruno Tolentino, Alberto da Cunha Melo, Orides Fontela, Hilda Hilzt, Ildásio Tavares, por exemplo, que, mesmo mortos, ainda que a pouquíssimo tempo, são nossos contemporâneos, incluindo mestres da velha guarda como Ferreira Gullar, Ariano Sussuna, Reynaldo Valinho Alvarez, Adélia Prado, Mirian Fraga, Antônio Brasileiro e Conceição Paranhos que ainda estão vivos e nos ensinando cada vez mais. Estes são nossos contemporâneos, claro. Muito me contentam em ler os trabalhos de Rodrigo Petrônio, autor de Venho de um país selvagem, que, inclusive, ganhou prêmio, aqui, na Bahia; Érico Nogueira, Marco Catalão, Jorge Elias Neto, ou de baianos – por que acontece que eu também sou baiano –, que são responsáveis por manter uma tradição de qualidade e beleza que provem desde Gregório de Matos, passando por Castro Alves e outros mais, como Bernardo Linhares, que nos apresenta uma poesia madura e admirável, onde forma fixa, aliada à livre cadência de ritmos, compõe uma das obras mais singulares de nossos últimos tempos por se tratar, principalmente, de um livro contemplativo, que nos apresenta uma postura positiva da vida e de toda a beleza que ela nos oferta dia após dia, e, em um caso que vai um pouco além do ofício de poeta; Gustavo Felicíssimo, que é o paulista mais baiano que conheço e um dos poetas mais disciplinados e talentosos de minha geração, por assim dizer, responsável por reunir e divulgar, em seu livro Diálogos (Ilhéus/Itabuna: Via Litterarum/Editus, 2009.), uma dos maiores grupos de poetas que o Brasil já possuiu, todos baianos, da região Grapiúna, onde, sem dúvida nenhuma, se produz, atualmente, a melhor poesia da Bahia e uma das melhores do País. Quem se aventurar nas páginas de Diálogos, encontrará a síntese perfeita entre imagem e palavra na econômica, porém dialética, poesia de Edson Cruz; o verso sincero e livre de Heitor Brasileiro Filho; a delicada angústia de Noélia Estrela; os formais e coloquiais sonetos de Piligra; a enigmática literatura de George Pellegrini; o erotismo pujante e lírico de Rita Santana; o verso livre e apaixonado de Fabrício Brandão; o deslumbramento reflexivo de Daniela Galdino; os haicais (e falando em haicais já se diz tudo) de Mither Amorim; o esmiuçar emotivo de Geraldo Lavigne. Além do mais, o leitor constatará uma coisa óbvia: o trabalho sério e impressionante do pesquisador e organizador Gustavo Felicíssimo, que, entre critérios estéticos e políticos, constrói uma obra de referência, onde novas vozes se misturam, em igual índole, a nomes referencias como Sosígenes Costa, Adelmo Oliveira e Cyro de Mattos e para onde não encontramos sinais de nenhum “verbalista” que, como bem acentuou, certa vez, o filósofo Olavo de Carvalho, aquém muito admiro, são os ditos "poetas que saltam direto do estímulo verbal à reação emotiva, sem passar pelo trabalho de imaginação e muito menos pela triagem crítica das representações imaginativas e cuja sua tendência é buscar a comoção ante os simples jogos vocabulares que, bem examinados, não significam absolutamente nada e nem poderão suscitar emoção nenhuma a não ser no sucesso do movimento Concretista que se deveu a propagação do verbalismo no lugar do verdadeiro poeta..."





E se ainda me permito mais um exemplo, ainda temos o caso de poeta Patrice de Moraes, que, por ainda não ter seu trabalho muito divulgado e nem lançado por uma editora, merece um tratamento um pouco especial. Homem de extraordinário talento, cuja produção poética, segundo o dizer de Jessé de Almeida Primo, tranqüiliza a toda crítica “por não deixá-la em dúvida quanto à sua qualidade”, não restando objeções ao seu domínio de um ofício de eleitos: a Poesia. Quando me refiro à poesia de Patrice de Moraes, refiro-me a uma poesia que sempre se quer cinética, que pretende romper os limites da impressão simplória e alçar à consubstanciação da mais pura e didática alegoria, ou seja, uma poesia que substitui o abstrato pelo aparentemente concreto. Assim, em cada poema de Patrice vejo imagens intencificadoras, dentro de um sistema que permite muito bem a isso; uma imagem representando um conceito ao qual se pretende, ou, simplesmente, comunicar, por meio de imagens puras e gradativas, o despertar dos sentidos, onde certas questões, como a do erotismo, são bem menos um assunto do que uma maneira de metaforizar, como nos dirá, pois, nesse sentido, sua poesia é tão erótica quanto toda poesia de qualidade deve ser, pouco importando seu assunto.





Por fim, não sou a melhor pessoa para falar de mim, nem comigo mesmo, nem falar dos outros; tenho apenas 33 anos, e já me sinto um velho, daqueles velhos que reclamam bastante, eu me acho!!! Sou tão aspirante quanto muitos que ensaiam seus primeiros versos; mas se há um conselho que eu mesmo me dou é o de ler muito, principalmente, os grandes poetas. A mediocridade é contentar-se apenas como que se tem sem buscar nada... sem ariscar para mais além. O contrário disso é o capricho.





Muitos poetas com certo talento tornam-se poetas medíocres por causa de leituras igualmente medíocres... Deus me livre disso. Trocar Manuel Bandeira por Cassiano Ricardo, Jorge de Lima pelos irmãos Campos, Bruno Tolentino por Manuel de Barros, Ildásio Tavares por Arnaldo Antunes é querer não ser ninguém, ou coisa alguma, nada.





Além do mais, sempre aceitei o fato de que poder errar, mas também poder me refazer, porque um poema nunca está, verdadeiramente, terminado; há sempre a algo a mudar, a corrigir, a refazer, tudo pode ser melhorado se houver talento, exercício constante e vontade de construir sempre o melhor. Lembrar-me de que Ildásio Tavares me dizia que ninguém colhe manga em jabuticabeira... Nem todos hão de ser poetas por mais que queiram e é preciso saber a hora de desistir, também. Mas eu credito no que acredito ser algo especial, porque é verdadeiramente especial; a poesia e arte tornam a vida melhor; com a poesia, como diria Gullar, “a vida é mais”, sem dúvidas. Só não me iludo... este não é um caminho de glória, muito pelo contrário, por causa da poesia eu ouvi muitas injúrias, muitas mentiras que disseram todo tipo de mal a mim e aos meus. Parafraseando, novamente, meu velho mestre e amigo, Ildasio Tavares, o melhor conselho, assim como os melhores versos, quem nos deu foi Dante: “Lasciate ogni speranza, voi che entrate”!

















Feira de Santana, março de 2010.







A RESTAURAÇÃO DA ORDEM...





Capa da tradução para o português de A Restauração da Ordem, de Michael P. Federici sobre o pensamento de Eric Voegelin, mais uma grande concretização de meu amigo Elpídio Mário Dantas Fonsevca e da É Realizações...












Eric Voegelin
A Restauração da Ordem









Autor: Michael P. Federici
Tradução: Elpídio Mário Dantas Fonseca









Edição 01
Formato: 13,5 X 23,3 cm
Número de Páginas: 216
Acabamento: Brochura
ISBN: 978-85-8033-020-5
Lançamento: 2011


Para o professor Associado de Ciência Política no Mercyhust College e Co-diretor do Centro de estudos constitucionais no Instituto Nacional de humanidades, em Washington, D.C., Michael P. Federici, poucos filósofos políticos do século XX podem arrogar para si um brilho tão original como o de Eric Voegelin (1901-1985), o filósofo alemão, radicado na Áustria, que, depois de fugir dos nazistas, lecionou a maior parte de sua carreira na Universidade Estadual da Louisiana. Nesta introdução ao pensamento de Voegelin, Michael Federici sintetiza o extenso corpus de obras de Voegelin, tornando acessíveis, para o erudito e leigo interessados, as contribuições deste filósofo.


Armado de um conhecimento espantosamente amplo em numerosas línguas moderna e antigas, o projeto filosófico de Voegelin era restaurar a ordem nas almas e nas sociedades humanas num século de catástrofe civilizacional. Para Voegelin, “a crise do Ocidente”, refletida nas guerras terríveis e no caos social do século XX, era o resultado da separação de nossa linguagem teorética dos encontros históricos e únicos com a transcendência que estão no fundamento da civilização ocidental. Como mostra Federici, Voegelin empreendeu dois esforços enorme para dar prova dessa tese em seus cinco volumes de Ordem e História e em sua História das idéias políticas, em vários volumes, publicados postumamente.


O fim último do projeto de Voegelin, argumenta Federici, era liberar os homens e mulheres modernos das garras das ideologias, que Voegelin caracterizava como construções simplificadas que sempre distorciam e obscureciam a verdade. Portanto, Voegelin era especialmente crítico do nazismo, marxismo, gnosticismo e cientificismo. Mas ele era também um crítico do cristianismo doutrinal e do conservadorismo, posições que Federici explica em minúcia. Federici também introduz o leitor à filosofia da consciência de Voegelin, difícil, mas influente, e inclui um glossário útil dos termos voegelinianos.


Leitores intimidados ou confundidos com a prosa freqüentemente intimidadora de Voegelin encontrarão no volume de Federici, o quarto da lista na série da ISI’s Library of Modern Thinkers, um guia inestimável a uma das mais imponentes – e mais impressionantes- mentes filosóficas.








A conseqüência é que a direção e caminho de sua obra não é reta e estreita. Há uma direção central, um foco, a sua busca, mas ao se lhe retraçarem os passos, cria-se uma visão caleidoscópica de sua busca pela ordem. Dependendo de que parte da jornada seja examinada, o quadro oferece perspectivas diferentes, mas não incongruentes.


Leitores que são estudantes mais experientes de Voegelin encontraram algum interesse neste livro; será um dos primeiros a oferecer uma introdução básica à teoria política de Voegelin; sua intenção é encorajar o estudo da obra de Voegelin, oferecendo um resumo de sua filosofia política.


Se o livro levar o estudante a explorar mais os livros e artigos de Voegelin, então terá alcançado seu objetivo principal. Dada a reputação de sua obra como intimidadora intelectualmente, se não impenetrável, um livro deste tipo se justifica como meio de facilitar o estudo de Voegelin, especialmente no nível de graduação. Mas nenhuma obra erudita, por mais bem escrita que seja, substituirá a leitura dos textos primários. Nem uma livro introdutório eliminará a frustração e dificuldade que sempre acompanhará o estudo das obras de Voegelin.


Obras filosoficamente profundas e penetrantes, diferentemente àquelas que fazem a cabeça e o ego mal intencionado de nossos ditos professores universitários, mas que nada são do que propagadores de um marxismo de segunda, seguido por pessoas Hugo Chaves e Marco Aurélio Garcia, exigem um investimento de corpo e alma que tende a ser tão desafiador como recompensador; não há atalhos. Parte do valor dos grandes pensadores filosóficos é a luta que se tem de ter para reviver-lhes a jornada existencial e imaginativamente. A apreciação da obra de Voegelin exige que a pessoa refaça, em algum grau, a jornada existencial dele. O que levou Voegelin a uma vida de compreensão e explicação não pode ser conhecido num pequeno período de tempo, ou pela leitura de uma monografia acerca de sua teoria política. Mas o investimento de tempo e de energia intelectual vale muito o esforço. A recompensa pelo estudo de Voegelin é uma maior compreensão da crise ocidental e um encontro com uma prescrição para a restauração que está entre as mais filosoficamente penetrantes nos tempos modernos e pós-modernos.


As iluminações filosóficas, política e histórica de Voegelin dão ao leitor uma compreensão teorética que se pode empregar para entender um período histórico que clama por explicação. Além isso , uma parada necessária na estrada para a pós-modernidade é alguma compreensão do que é a modernidade e o que significa no contexto filosófico e histórico maior. Passar além da modernidade exige que as deformações ideológicas do período moderno sejam purgadas da alma e da consciência do homem ocidental.



Nessa contagem, Voegelin tem poucos rivais...





















sexta-feira, 6 de maio de 2011

DA OLARIA À OURIVESARIA: ALOÍSIO RESENDE & O BIG BROTHER BRASIL DOS INTELECTUALÓIDES



Aloísio Resende (1900-1947), poeta negro, pobre e, supostamente, um beberrão freqüentador de candomblés e de quengueirosum... prato cheio para todos os oportunistas dos Estudos Culturais de plantão.




Nuestras convicciones más arraigadas,


más indubitables, son las más sospechosas.


Ellas constituyen nuestro límite, nuestros confines,


nuestra prisión.


ORTEGA Y GASSET





Parece-me, caro leitor, que a biografia moderna considera o homem em todos os seus aspectos, buscando fixar a humanidade do seu personagem. Pelo menos é o que afirma Edvaldo Boaventura em seu No Território da Palavra; seu objetivo “é a transmissão verídica de uma personalidade”; buscando o homem com as virtudes e os defeitos inerentes a raça humana. Mas, no fundo no fundo, em termo do que interessa realmente à poesia, estes aspectos estão mais para um Big Brother Brasil dos pseudo-intelectuais do que verdadeira ciência e literatura.



Olhem o caso de um Augusto dos Anjos, por exemplo: nem um poeta de nossas Letras foi mais vitimado pelos estereótipos do que ele – estereótipos esses advindos tanto dos leitores ingênuos como da crítica dita especializada, mas que nada mais é do que uma propagadora de tolos ideais etnocêntricos e multiculturalistas que pouco ou quase nada acrescentam à poesia e à sua verdade estética. O poeta paraibano, por mais que fosse, à sua maneira, um revolucionário, dono de um artesanato poético sem precedentes em nossa história, quase sempre foi focalizado como um tuberculoso sofredor e depressivo; um anti-herói errante em sua própria angústia e dor, representado, como diria Antônio Houaiss, por “versos herméticos, onde, por vezes, se escondem cisma extremamente patológicas, psicologia doentia”, et cœtera e tal.






Antônio Houaiss, também, nos lembra que, “em conseqüência dos usos simbólicos feitos por Augusto dos Anjos, de um material não raro de procedência científica, dos usos analógicos e corretos para fins de enlace estético e emocional, desde sempre se manifestou entre nós de interpretar a poesia de Augusto dos Anjos como uma poesia exótica, cuja chave – como a de Cruz e Souza – poderia estar na sistemática de certas doutrinas orientais místicas”... Já pensou?!






Mas muito longe de ser um poeta conhecido e aclamado, como Augusto dos Anjos o é, Aloísio Resende (1900-1941) não está livre de interpretações semelhantes; e, mesmo a sua exígua produção literária, torna-se vítima de uma “visão multicultural” que leva muito mais em conta os processos pessoais do autor como se esses valessem muito mais do que a sua produção poética ou como se estes fossem a poesia em si, não levando nem mesmo em consideração aquela máxima de Fernando Pessoa de que “o poeta é um fingidor”; máxima, aliás, que vale muito mais do que toda a obra de Raymond Williams.






Nascido na provinciana Feira de Santana, no início do século passado, Aloísio Resende era negro, pobre e, supostamente, um beberrão freqüentador de candomblés e de quengueiros; seguindo os caminhos da figura mística vitimada pela condição social, pela cor e pela escolha religiosa que escrevia versos como quem desabafa suas mágoas, em glorioso e talentoso protesto, tornou-se um prato cheio para todos os oportunistas dos Estudos Culturais de plantão, que o vêem como uma figura lendária destituída de seu cânone, mas sem olhar necessariamente (nem verdadeiramente) como poeta que era... para variar. Não conheço um ensaio, artigo ou crítica – inclusive esta – sobre Aloísio Resende cuja curiosidade sobre a sua vida boêmia, suas insatisfações pessoais e de uma improvável inadaptação social de sua parte não se sobreponha à sua poesia, muito menos à análise estética de sua produção poética que é a verdadeira essência da crítica literária, pois a crítica que não analisa é uma crítica que se quer acomodada e infecunda e que, à semelhança das velhas titias do século XIX, nada mais lhe resta, em sua vida miserável e desesperançosa, do que a observação deturpada da vida alheia.






Não pense qualquer um ao ler este artigo, que eu queira transformar Aloísio Resende num esteticista sem nenhuma noção de utilitarismo social, moral ou político, preso a considerações excessivamente racionalistas, ou como os parnasianos de segundo escalão que o precederam, numa típica “torre de marfim” estética, mas a verdade é que pouco importa, poeticamente falando, se o poeta feirense sofria preconceitos raciais, freqüentava terreiros de Candomblé ou se passava as noites a se embebedar numa atitude tipicamente vitimista, à maneira dos ideólogos etnocêntricos de nosso tempo, Aloísio, semelhantemente aos grandes poetas, sabe que a vida não deve ser contemplada com olhos demasiadamente abertos nem desesperadamente lúcidos, pelo simples fato de ser um homem de versos e não um sociólogo de Esquerda.






Nenhuma poesia que se preze deve subestimar os métodos estilísticos, muito menos desconsiderá-los. Uma crítica que se preocupa com os possíveis ideais marxistas de Graciliano Ramos do que com a sua escrita viva e objetiva, com a boemia de Vinícius de Moraes do que com seus sonetos de notável aprofundamento lírico, com a vida indistinta de Bruno Tolentino do que com sua poesia de incomparável abrangência estética é uma crítica de intrigas e mexericos, que deve ter Pedro Bial como patrono... só não é crítica.






No caso de Aloísio Resende, os elementos oriundos das religiões africanas parecem, à atordoada crítica literária predominante no Brasil, muito mais importantes do que os próprios poemas que os utilizam para fins que vão muito além do que eles representam. O mesmo erro que cometam há anos com o Augusto dos Anjos ao rotulá-lo de “poeta cientificista” quando este dito “cientificismo” é só mais um caminho para algo que vai muito além. O mesmo acontece com os elementos “afrodescendentes”, na poesia de Aloísio Resende: não passam de tijolos de uma construção maior e que vai muito além da mera referência étnica. E digo mais: o erotismo apresentado em praticamente todo a sua obra poética é muito mais intenso e centralizado e é um elemento primordial de seus poemas para o qual a sua dita africanidade trabalha intensamente. É só recordar de trechos como o do poema Iemanjá, onde a idéia que do objeto contemplado é maior do que o próprio objeto:







Quando, às vezes, obter se lhe pretende a graça,


dão-se-lhe macumba os mais lindos presentes,
pois, só mesmo Iemanjá, ditosos dias traça,
aos tristes corações de amores padecentes.







Mas, para estes multiculturalistas, que olham para as artes como um reality show atrasado e defasado, a tinta parece valer mais do que a pintura, o metal mais do que o anel ou o barro mais do que o vaso; aliás, mostrando-lhes um vaso, são capazes de enxergar o barro, a pintura, o verniz, as mãos oprimidas que o fizeram... só não enxergam o vaso. Incapazes de ver o óbvio esquecem que a poesia deste bardo baiano não é demasiadamente clara, nem facialmente inteligível, muito menos pretendeu ser um poeta de vanguarda só por usar termos como bozó, canzuá ou babalaô, muito menos abrir-se a heterogeneidades culturais de uma Feira de Santana provinciana, pelo simples fato de, em nenhum momento, se sobrepor às referências helênicas de uma poesia retardadamente parnasiana, como a sua.






A poesia de Aloísio Resende, como qualquer outra, pretende apenas comunicar – sem nenhuma ironia – com base muito mais em suas influências literárias do que qualquer outra coisa. E é uma poesia ordenadamente estruturada, mas sem grandes sutilezas, zelos retóricos e sem o desejo de carregar nos ombros as dores e os desmantelos humanos, por isso sua poesia deve ser lida, vista e analisada como poesia pura, sem nenhuma pretensão de ser nada mais do que isso, pois é só isso que verdadeiramente importa e, pelo que sei, o que, realmente, ele queria. Olhem o caso, por exemplo, deste belo soneto:





Vive deserta e triste a minha pobre rua,


por onde nem se quer um simples vulto passa.


Turva poeira de luz pelo espaço flutua,


enquanto bate em cheio a chava na vidraça.



Produz na ramaria o vento que perpassa
de preces um rumor, que noite dentro atua.
Trema na água empoçada a claridade baça:
corre como pavor na rua longa e nua.


De minha vela oscila a chama tênue e leve,


no quarto, que ficou de mil beijos vazio,


com a ausência de teu corpo alvíssimo de neve.



Todo o meu ser invade imenso desconforto,
corta na minha carne a lâmina do frio...


Chove. É o pranto hibernal de nosso afeto morto.







Aloísio, caro leitor, é um poeta da forma e ponto final, pois ele não poderia fazer escolha melhor, nem dentro de seu contexro histórico-social, muito menos em sua verve de art´fce do verso. A forma, como já tive oportunidade de dizer aqui, não trabalha em causa própria, ela realiza a idéia presente no poema, apropriando-a à rima, à métrica e ao ritmo, como afirmara. A forma é muito mais a realização de um conteúdo apropriado à rima ou ao ritmo do que o contrário; percebe-se, assim, que, para Camões, por exemplo, a forma, mais do que uma imposição estilística de sua época, é a única maneira pela qual sua poesia poderia se realizar, ao contrário da dos Românticos que, tomados de um sentimentalismo desenfreado e, muitas vezes urgente, pouco se utilizaram do soneto, porque seus emotivos frenéticos e alucinados não poderiam resultar em algo que advém, justamente, do racional e do amadurecimento paciente.






Nada disso, porém, impede que ninguém faça um soneto; já a qualidade deste soneto...






É bom lembrar, também, que a forma não estabelece o conteúdo de um poema, muito pelo contrário; a forma é o resultado mais imediato deste conteúdo e nada denuncia mais o vazio, ou a hipocrisia, de um poeta – intelectualmente falando – do que seu metro, do que sua forma. A sinceridade do teor de um poema mede-se, muito mais, pela sua disposição formal do que pela análise crítica de qualquer um que seja. Caso o leitor se recorde, no filme, Amadeus, de Milos Foreman, Salieri, interpretado por F. Murray Abraham, leva o Mozart, vivido por Tom Hulce, extremamente doente, para a sua casa, e o ilude para que continue a compor sua Missa Réquiem, em Ré menor, deitado naquele que seria seu leito de morte; Mozart o dita para que Salieri o transcreva à partitura (o que de fato teria acontecido, embora não com Salieri e sim com dois de seus pupilos, Joseph Eybler e Franz Xaver Süssmayr), por toda a madrugada. Mozart indica que baixos, em Lá, cantem o tema do Confutatis, junto com os tenores, na subdominante, acompanhados, na mesma linha melódica, por fagotes e trombones para que as vozes sejam multiplicadas; em sotto voce, seguem as vozes femininas... etc. Compasso por compasso observamos a construção deste trecho que, somando suas partes, criam um dos temas mais belos e ferozes de nossa música. Separados são sons sem muita conexão ou apoio, mas, juntos, formam uma cadeia de melodias de mais alto padrão já escrito.






Tudo isso parece, aos olhos inéptos, se repetir no filme Copying Beethoven, mas sem o mesmo resultado; e a cena entre Ed Harris e Diane Kruger lembra mais a “viajem” de dois maconheiros do que a instrução de um mestre ao seu pupilo, pois a inverossimilhança do resultado se sobrepondo à matéria e a forma que o compõe são demasiadamente insustentáveis. Enquanto, em um filme, figuras musicais se acomodam à partitura para resultar em uma impressão melódica, no segundo esta impressão tenta “se compor” na partitura. O que vemos, então, são dois episódios onde sentido não depende da narrativa em si, mas dos fatos do mundo exterior a que a platéia, mesmo não musicalmente educada, associe os episódios narrados, fazendo destes o símbolo daqueles. Assim no filme de Milos Foreman a sena é realisticamente aceitável enquanto que no filme de Agnieszka Holland só sobre o riso involuntário.






Por fim, mesmo o resultado mais belo produzindo é estruturado através de formas muitas vezes rudes e extremamente ortodoxas. Mas é o resultado que importa aos olhos leigos e preparados, já ao seu criador, o conhecimento das formas que moldam este resultado são, praticamente, tudo para ele. Não é toa que os melhores e mais maduros poemas de Aloísio Resende são sonetos...






Da olaria de uma poesia social que Aloísio Resende não tem, à ouriversaria paranasiana que sempre seguiu, é esta a questão que me levou sua à poesia e não esqueça, caro leitor, de lembrar isto aos responsáveis pelo Programa de Pós-Graduação em Literatura e Diversidade Cultural da UEFS, só pra começar, pois alguém precisa ensinar alguma coisa àquele povo.



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Porque é assim que é... e quem pensar que é diferente o faz por ser idiota.






Alagoinhas, 05 de maio de 2011.









P.S. É uma necessidade vital, caro leitor, conferir a exposição de Gabriel Ferreira, intitulada BRINQUEDO DOS ANGOLAS E ORIXÁS: ALOISIO RESENDE E BEL PIRES... de 19 de abreil a 15 de maio, na Galeria de Arte Carlo Barbosa, cituada no Centro Universitário de Cultura e Arte, de Feira de Santana, rua Conselheiro Franco, 66, Centro. Como a de todo grande artista, na obra de Gabriel Ferreira elementos diversos se agrupam em diferentes aspectos para construir ir algo realmente belo, único, repleto de cor, verdade e significado, indo muito além daquilo que lhe serviu de mote, no caso, a poesia de Aloísio Resende, para que a vida seja mais... É para isso que a Arte serve.








Confira através do link: http://artistagabrielferreira.blogspot.com/2011/04/capoeiragem-candomble-e-poesia.html